domingo, 27 de março de 2011

O Baile dos Amantes


Eu começo escrevendo aqui com Vivaldi. Seus violinos acompanham meus dedos que desenham livremente esse texto. A pintura acima entra em perfeita sincronia com minha mente e o mundo aumenta, diminui e explode. O Universo inteiro explode. Formas difusas e abstratas são tudo o que resta. O Amor rege o espaço amorfo que me circundeia e a Paixão o envolve com quentura, contrastando com L'Inverno que envolvente. Cores pulsam sonoramente ao redor e a Vida alcança seu ápice.
E tudo silencia.
Um violino agudo começa uma valsa mais calma, reunindo outros, trazendo de volta a cor do mundo sem nexo que envolve os Amantes. O Amor, agora calmo, pulsa suavemente, dançando com as cores e os sentimentos a valsa calma de Vivaldi. O corpo dos Amantes, agora único, dança, silencioso, sentimental, amoroso. Descrevendo arcos, os amantes se esquentam na melodia que acalorece a alma apesar de seu nome indicar exatamente o contrário disso. O baile particular estava tão cheio de apenas um corpo sólido que, ao mesmo tempo, era insubstancial.
As cores mudam. A melodia se transforma. As flores de Van Gogh aparecem aqui e ali no fundo do baile, florescendo por entre todas as cores e sons possíveis, ocupando, ao mesmo tempo, tudo e nada. Uma rosa cresce, enfeitando o cabelo da cabeça da amante. Seu Baile continua, lírico, idílico, agora mais ágil, mas necessário. O Amor maestra aquelas sinfonias tão belas, traz a natureza à paisagem, constrói toda a vida sem atrapalhar, por um só segundo, a dança dos Amantes. La Primavera continua surgindo, brilhando, sempre tão majestosa quanto possível.
As flores surgem e somem deixando os amantes naquele espaço colorido sem fim nem começo. Sem razão, nem com ausência desta. Sem mágica, mas com toda magia possível. Tão completamente ilógico e, ao mesmo tempo, tão certo, tão perfeito e fortemente belo como o próprio Amor, maestro de Vivaldi, coreógrafo dos amantes, mentor de Van Gogh, criador de tudo, poeta e aprendiz, tão contraditório e tão perfeito quanto nada jamais poderia ser.
A música se acalma e a dança infinda dos amantes também. Girando num mesmo ponto, transformando-se num borrão de cores, os amantes veem a melodia crescer e se animar e seguem sua valsa com extrema sincronia.
A dança se acalma e muda o ritmo. As flores não mais crescem, mas, sem nenhuma mudança no ambiente, sua passagem permanece clara para qualquer espectador. O baile dos amantes parece uma luta na qual o resultado poderia ser apenas mais amor entre os oponentes. A rosa tão viva permanecente no cabelo da mulher amante roça no queixo duro e gentil de seu amado docemente. A melodia cresce, a dança se anima. As cores explodem de poucos em poucos. Percebe-se facilmente a quentura da estação. Os violinos de Vivaldi continuam mantendo a beleza daquele Universo particular dos amantes. L'Estate, com Amor, com Paixão, cresce e diminui, mantém sua simetria, sua perfeição. Grave, forte, ao mesmo tempo doce e calmo, o Verão envolve e cansa os Amantes. Mas eles não param. O Amor continua circundando o espaço reservado tão somente para o Baile dos Amantes, continua em cima, continua aumentando e diminuindo, agravando e acalmando, dando e tirando o tom voraz dos violinos de Vivaldi. As cores pulam pelos Amantes. A cor dos próprios amantes explode, expande, gira em torno da melodia tão complexa desta estação.
Os dois Amantes seguem em sua valsa, sempre em perfeita sincronia e ritmo com a música. Sempre apaixonadamente. Sempre com o Amor. Corriam, deslizavam, voavam. Sem respeitar Lei alguma, os Amantes cruzavam os céus indistintos daquele Universo, reservado tão somente para o Baile idílico, subindo e descendo, se amando. As cores cada vez mais fortes, não respeitavam os limites uma das outras como os Amantes não respeitavam os limites de seus corpos nem da Física. Eram, agora, apenas um. Não havia nada que não fosse aquele Baile.
E a estação começou a mudar. As cores secaram e caíram, forrando o chão daquele lirismo brilhante. Os Amantes caíam no espaço sem fim, e subiam novamente, desenhando rabiscos no céu e mar de seu Baile. Seu ritmo incessante mostrava, acima de tudo, felicidade. Mostrava, acima de tudo, alegria. E, acima ainda destas cousas, Amor. L'Autunno revelava uma Paixão crescendo novamente, envolvendo o corpo dos apaixonados. O casal que bailava na sincronia daquela infinda melodia. E giravam e voavam e deslizavam e corriam e explodiam: Tudo e Nada se misturam nesse lugar. Tudo e Nada é lírico, é belo, é Amor.
Vivaldi gemia lentamente uma quebra do ritmo para logo retornar a sua bela alegria amorosa. Era claro a Paixão retornando ao cenário, lenta, muito lentamente. Dançava junto com eles, calorosa, afetiva, amorosa. Esquentava as cores frias e esfriava as quentes. Convergia em um único corpo, um único ser, um único ponto, um único Amor: Os Amantes. Girava dentro e em torno deles. Amava e era amada por eles. A Paixão colaborava com o Amor. Seguia suas instruções e dava-lhe ideias. As melodias cresciam e diminuíam. O ritmo e a coreografia, sempre em perfeita harmonia, choravam e riam. O próprio Universo, todos os Universos convergiam apenas naquele Baile, naquele bailar dos Amantes. Mas a dança chegava ao fim. Vivaldi preparava o final de Outono, sem esquecer-se da alegria que todas as Estações proporcionaram.
Até que acabou.
E os Amantes começaram tudo de novo.

Henrique Dottoly.

P.S.: Apenas para vocês passarem o final de semana.

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